terça-feira, 6 de julho de 2010

Protagonismo Juvenil


O Adolescente como Protagonista

Antônio Carlos Gomes da Costa

Ao perguntar-nos acerca do tipo de jovem que queremos formar, concluímos que é aquele autônomo, solidário, competente e participativo. Refletindo sobre essa questão, surgiu-nos a idéia de protagonismo juvenil, conceito que veio preencher uma lacuna teórico-prática nesse campo.

A palavra protagonismo é formada por duas raízes gregas: proto, que significa "o primeiro, o principal"; agon, que significa "luta". Agonistes, por sua vez, significa "lutador". Protagonista quer dizer, então, lutador principal, personagem principal, ator principal.

Uma ação é dita protagônica quando, na sua execução, o educando é o ator principal no processo de seu desenvolvimento. Por meio desse tipo de ação, o adolescente adquire e amplia seu repertório interativo, aumentando assim sua capacidade de interferir de forma ativa e construtiva em seu contexto escolar e sócio-comunitário.

O centro da proposta é que, através da participação ativa, construtiva e solidária, o adolescente possa envolver-se na solução de problemas reais na escola, na comunidade e na sociedade.

Um dos caminho para que isso ocorra é mudar nossa maneira de entender os adolescentes, e de agir em relação a eles. Para isso, temos de começar mudando a maneira de vê-los. O adolescente deve começar a ser visto como solução, e não como problema.

No interior dessa concepção, o educando emerge como fonte de iniciativa (na medida em que é dele que parte a ação), de liberdade (uma vez que na raiz de suas ações está uma decisão consciente) e de compromisso (manifesto em sua disposição de responder por seus atos).

Assim, quando o adolescente, individualmente ou em grupo, se envolve na solução de problemas reais; atuando como fonte de iniciativa, liberdade e compromisso; temos, diante de nós, um quadro de partcipação genuína no contexto escolar ou sócio-comunitário, o qual pode ser chamado de protagonista juvenil.

Na perspectiva do protagonismo juvenil, é imprescindível que a participação do adolescente seja de fato autêntica e não simbólica, decorativa ou manipulada. Essas últimas são, na verdade, formas de não-participação que pode causar danos ao desenvolvimento pessoal e social dos jovens, além de minar a possibilidade de um convívio autêntico entre eles e seus educadores. A participação é a atividade mais claramente ontocriadora, ou seja, formadora do ser humano, tanto do ponto de vista pessoal como social.

Educar para a participação é criar espaços, para que o educando possa empreender, ele próprio, a construção de seu ser. Aqui, mais uma vez, as práticas e vivências são o melhor caminho, já que a docência dificilmente dará conta das múltiplas dimensões envolvidas no ato de participar.

Na vivência dessa pedagogia, o educador já não pode limitar-se à docência. Mais do que ministrar aulas, ele deve atuar como líder, organizador, animador, facilitador, criador e co-criador de acontecimentos, por meio dos meio dos quais o educando possa desenvolver uma ação protagônica.

A adesão à perspectiva pedagógica do protagonismo juvenil vai muito além da assimilação, pelo educador, de algumas noções e conceitos sobre o tema. Antes de tudo, essa adesão deve traduzir-se em um compromisso de natureza ética entre o educador e o adolescente. O protagonismo deve ser vivido como participação do adolescente no ato criador da ação educativa, em todas as etapas de sua evolução.

Além de um compromisso ético, a opção pelo desenvolvimento de propostas baseadas no protagonismo juvenil exige do educador uma clara vontade política no sentido de contribuir, pelo seu trabalho, para a construção de uma sociedade que respeite os direitos de cidadania e aumente progressivamente os níveis de participação democrática de sua população.

Mas a clareza conceitual, o compromisso ético e a vontade política só potencializam verdadeiramente sua ação, quando o educador está comprometido em níveis que ultrapassam em profundidade o conhecimento do assunto, ou seja, quando ele está emocionalmente envolvido com a causa da dignidade plena do adolescente. Para que isso ocorra, o educador deve evitar posturas que inibam a participação plena dos jovens. Eis um pequeno elenco de posturas assumidas pelos adultos ao trabalhar com adolescentes:

- Anunciar aos jovens decisões já tomadas, reservando-lhes apenas o dever de acatar;

- Decidir previamente e depois tentar convencer o grupo a assumir a decisão, tomada pelo educador, como se fora sua própria decisão;

- Apresentar uma proposta de decisão e convocar o grupo para discuti-la;

- O educador apresenta o problema, colhe sugestão dos jovens e depois decide;

- O educador apresenta o problema, colhe sugestões e decide com o auxilio do grupo;

- O educador estabelece os limites de determinada situação e solicita aos adolescentes que tomem decisões dentro desses limites;

- O educador deixa a decisão a cargo do grupo, sem interferir no processo que a originou.


A evolução do trabalho com um grupo de adolescentes empenhados em decidir, a partir de uma ação protagônica, segue de modo geral as seguintes etapas:


Apresentação da situação - problema

A situação-problema deve ser apresentada do modo mais realista e desafiante possível. É necessário embasá-la em dados, informações e objetivos


Proposta de alternativas ou vias de solução

Deve-se procurar extrair do grupo o maior número possível de alternativas de solução, para o problema apresentado.


Discussão das alternativas de solução apresentadas

As propostas devem ser discutidas e criticadas livremente. O grupo deve estar consciente de que são as idéias, e não as pessoas que as apresentaram, que estão em julgamento


Tomada de decisão

Durante a discussão, o grupo vai descartando as alternativas mais inviáveis e inconsistentes, até chegar à decisão final, que pode ser unânime ou majoritária. Só em caso de omissão da maioria do grupo, a solução deve ser minoritária. Essa, contudo, é uma situação indesejável, que deve ser evitada ao máximo pelo educador.

Em seu trabalho com jovens envolvidos na realização de ações protagônicas, cabe ao educador:

- Ajudar o grupo a identificar situações-problema e a posicionar-se diante delas;

- Empenhar-se para que o grupo não desamine nem se desvie dos objetivos propostos;

- Favorecer o fortalecimento dos vínculos entre os membros do grupo;

- Animar o grupo, não o deixando abater-se pelas dificuldades;

- Motivar o grupo a avaliar permanentemente sua atuação,

quando necessário, replanejá-la;

- Zelar permanentemente para que a ação dos jovens seja compreendida e aceita por todos os que com eles se relacionam no curso do processo;

- Manter um clima de empenho e mobilização no grupo;

- Colaborar na avaliação das ações desenvolvidas pelo grupo e na incorporação de suas conclusões nas etapas seguintes do trabalho.


O educador que se dispuser a atuar como animador de grupos de adolescentes em ações de protagonismo deverá:

- Ter consciência de que a participação na solução de problemas reais da comunidade é fundamental para o desenvolvimento pessoal e social de um adolescente;

- Conhecer os fundamentos, a dinâmica e a evolução do trabalho com grupos;

- Ter algum conhecimento a respeito da situação ou problema que se pretende enfrentar;

- Compreender adequadamente o projeto e ser capaz de explicá-lo quando necessário;

- Ter participado de ações grupais, ainda que não tenha sido na condição de animador;

- Estar convencido da importância da ação a ser realizada e estar disposto a transmitir a outras pessoas, esse conhecimento;

- Ter capacidade de administrar oscilações de comportamento entre os adolescentes, como conflitos, passividade, diferença, agressividade e destrutibilidade;

- Ser capaz de conter-se para proporcionar aos educandos a oportunidade de pensar e agir livremente;

- Acolher e compreender as manifestações verbais e não-verbais emitidas pelo grupo;

- Respeitar a identidade, o dinamismo e a dignidade de cada um dos membros do grupo.


Essa maneira de trabalhar com os adolescentes certamente irá contribuir para que muito do que hoje é considerado problema transforme-se amanhã em solução. Para isso, é preciso enfrentar de modo efetivo os problemas da escola, da comunidade e da vida social. O fundamental é acreditar sempre no potencial criador e na força transformadora do jovens.

A construção pedagógica do jovem solidário, autônomo, competente e participativo por meio do protagonismo juvenil deve, portanto, ser considerada uma forma superior de educação afetivo-sexual.



Referências Bibliográficas

COSTA, Antonio Carlos Gomes da. Protagonismo Juvenil - Adolescência, Educação e Participação Demográfica. Fundação Odebrecht. Salvador, 1998 (mimeo).

COSTA, Antonio Carlos Gomes da. Tempo de Crescer - Adolescência, Cidadania e Participação. Fundação Odebrecht. Salvador, 1998 (mimeo).

COSTA, Antonio Carlos Gomes da, COSTA, Alfredo Carlos Gomes da & PIMENTEL, Antônio de Pádua Gomes. Educação de Vida - Um Guia para o Adolescente. Modus Faciendi. Belo Horizonte, 1998.



Antônio Carlos Gomes da Costa
Pedagogo, diretor-presidente da MODUS FACIENDI, atua como escritor, conferencista e consultor das seguintes organizações: Instituto Ayrton Senna, Fundação Odebrecht, Fundação Bradesco, Fundação Pitágoras, Rede Globo de Televisão, Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Instituto Brasileiro de Produtividade e Qualidade (IBPQ), Fundação Maurício Sirotsky, UNICEF, OIT, Bank Bonston e GIFE (Grupo de Institutos, Fundações e Empresas). Realizou missões de consultoria em diversos países da América Latina: Argentina, Uruguai, Chile, Peru, Colômbia, Guatemala, Costa Rica, El Salvador e Honduras. Na vida pública, ocupou diversos cargos, entre eles, Secretário de Educação de Belo Horizonte, presidente do CBIA (Centro Brasileiro para Infância e Adolescência), oficial de projetos do UNICEF, membro do Comitê dos Direitos da Criança da ONU (Genebra) e representante do Brasil no Instituto Interamericano da Criança (OEA). É autor de vários livros e artigos sobre desenvolvimento pessoal e social: Pedagogia da Presença, Tempo de Crescer, Protagonismo Juvenil, Encontros e Travessias, Educação pelo Trabalho, Educação e Vida e Aventura Pedagógica. Atualmente, atua como conselheiro de várias organizações: Instituto Ayrton Senna, Fundação Abrinq, Instituto de Hospitalidade da Bahia e Conselho de Educação da FIEMG

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